quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sinal.


"Há flores cobrindo o telhado
E embaixo do meu travesseiro
Há flores por todos os lados
Há flores em tudo que eu vejo"


Paralelos, simultâneo. Reciprocidade! Lá ia ele em sua bicicleta voadora. O vento a escorregar sobre seu rosto e seus cabelos dançantes fugindo da ordem. Tendo ele, deixado em seu sono, toda uma tristeza desnecessária, excessiva. Theodoro era assim, gostava de luz, cores, vento, movimento, alegria! Por onde passava deixava seu rastro de felicidade e conforto. Organizava, sem perfeccionismo, mas por pura intuição. Cantava, feito um anjo de cachos dourados que comparecia a fazer carinho aos ouvintes. Havia se mudado há pouco tempo. 201. E agora percorria as ruas da cidade com tanta propriedade e ousadia, que mal podiam lhe dizer que era novo por ali.
Ainda estava um pouco chateado. Tom o havia magoado no dia anterior. Na verdade não sabia ao certo o que havia acontecido. Era tudo muito claro e confuso. Só sentia que ambos pensavam o mesmo, ou simplesmente não pensavam, o mesmo.Tom justificava, traduzia, engavetava. Gostava de explicações, a razão em pessoa. Sempre de olhos abertos a perceber minúcias, detalhes a catalogar em seu grande dicionário embutido. Inteligentíssimo, culto, educado, repartia o cabelo de lado.Enquanto o sinal de trânsito fechava, sua cor abria a mente de Theodoro. Que repentino e brusco estacionava sua bicicleta na calçada para poder revirar sua mochila e tirar de dentro dela, seu telefone.


-Tom?
-Tom.
-Você sabe que estive pensando que aquilo tudo que você me disse pode ser verdade mesmo? É, a gente pensa que não, quer dizer, você pensa, mas talvez seja sim.

Tom permaneceu emudecido.

-Tom? Alô, tom, tá me ouvindo, tom?
-To.
-Então diz alguma coisa.
-Disse tudo ontem.
-Eu sei, achei tudo muito estranho, e confuso, e impossível, mas talvez não tenha nada de errado.É como uma cor, Tom, vermelho, vermelho é apenas uma cor, existem tantas outras. Parecidas até, mas existem. Isso quer dizer que pode existir também.
-Conversei com Valéria ontem, eu disse a ela o que entendi e você podia...


A bateria do celular havia terminado. As pessoas na calçada espantaram-se com o grito de desabafo vindo de Theodoro. Subiu novamente em sua bicicleta e continuou seu percurso pensando no que seria possível. Passaria um dia inteiro na duvida, condenando-se pela distração de não ter carregado sua fonte de comunicação imediata. Porém feliz, pois por trás de todo um silêncio e poucas palavras, vira que Tom, o respondia de outra maneira, talvez em outro Tom.
Tom, após tentar retorno inutilmente, voltou ao afazer de arrumar-se para o trabalho. No meio de sua testa uma ruga insistia em aparecer, mesmo que ele não percebesse.

sábado, 20 de março de 2010

À ordem.



"Let me take you down
Cause I'm going to
Strawberry Fields
Nothing is real"



Os morangos pareciam congelados, parados no espaço. Dizia Valéria, ainda sem saber que não eram só dela. Ficaria mais tarde conhecida por seus grandes cachos negros, que pareciam mais diamantes expirais presos ao centro do seu próprio universo pensante. Tirou da caixa um deles e tornou a fechá-la, assim como nas instruções do papel branco em letras vermelhas, que pedia a encaminhar ao próximo destino, que por acaso era o mesmo que o seu, com a simples diferença de um único número. Assim o fez, e ao voltar, um vazio enorme a possuiu repentinamente. Lembrara de sua amiga de passagens compradas, e que certamente deixaria ali tanto de si, que poderia ter certeza que sempre sentiria seu cheiro de verde estampado nos objetos e cores. Em sua cômoda observava imagens metálicas junto a lembranças fotográficas, algumas em preto e branco. Olhava de relances para a janela e via seu céu nublado, buscava o sol que andava escondido pelo mar inverso e acinzentado. Lá embaixo parava um caminhão, e de lá de cima, misturado a móveis e pessoas na calçada, enxergava cachos dourados também móveis por entre eles, ainda sem feições, definições ou intimidades. Mas os raios de sol tão anteriormente esperados nem chegavam a seus pés, pensava ela.
À exatamente dois dias e algumas horas dali, Tom abria a caixa pensando no que aquilo significaria. Parecia um morango congelado perdido num espaço de fitas gelatinosas e aromatizadas, e que, de certa forma, o fazia pensar no vazio de quem busca algo em si, dentro de conceitos incolores. Uma caixa na qual nada importava a não ser um pequeno morango que parecia ser feito de gesso. Examinou em sua estante um disco de prata e extraiu dele uma bela canção de violino. Sentado em sua confortável poltrona de somente um lugar, ele mantinha seu morango sobre a mão esquerda, pressionando entre os dedos como se quisesse que ele o invadisse por entre as digitais, seguindo a linha tênue desenhada pelo violino em sua cabeça. Ouviu então por de trás da sinfonia lúdica, sons opacos de madeira repetidos com urgência. Buscou identificar a hora daquele momento. Eram 15 horas, provavelmente seriam as meninas do outro lado da porta.
Em outros lugares ainda na mesma cidade, quatro outros morangos estavam devidamente guardados. Cada um no seu legítimo lugar de carinho.

quinta-feira, 18 de março de 2010

TOQUE


"...que por tão manso e cruel

desacatou a brisa do tempo..."


São quase 15 e 15, os ponteiros do branco relógio analógico da sala estão quase no mesmo lugar..mas não estão. Apontam para quase a mesma direção...mas...
Um olhar congelado e um ouvido sensível estão á espera de algo, 15 e 15 era a hora...Silêncio...o mais barulhento dos silêncios podia ser ouvido em sua cabeça, e mais nada. A mesma roupa branca com detalhes vermelhos, o mesmo perfume - jasmim -, não mudara nada, nem o corte de cabelo, quase nada mudou. Mudou de cidade.
No horário combinado o silêncio parou. Parar. Ele era desses que parecia parar o tempo, a vida e agora o silêncio. Três toques e ela correu, debruçou a cabeça no braço do confortável amigo de madeira e sem pensar retirou o sofrimento do gancho.
- Oi!
Do outro lado da linha-vida ouviu um estrondoso e enérgico “oiiiiii”. O mágico e estrondoso “oi” só podia vir delas, as meninas proibidas da magia. Estavam empolgadas, cantavam e ela também, do mesmo jeito que antes, elas tinham na voz um tom branco de quem recebe, com detalhes vermelhos de quem ama, faltava o perfume – jasmim – dele.
- Oi!
Ele parecia outro, e ela estranhou não ouvir do outro lado o barulho da maquina de calcular do homem magro, ele não estava ali. Nem o magro nem o velho. Era outro, outro que ela não via há muito tempo. Tinha na voz um tom de saudade, falava como se fosse chover a qualquer momento. Quase.
Ela mudou de cidade. Ele mudou. Quase.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Pelo enquanto.

"Luz e sentido e palavra, palavra é.
Que o coração não pensa.”

A menina dos cachos negros abriu sua janela e avistou lá em baixo ele, o menino velho. Ele estava parado, como sempre. Ela amarrou seus cabelos ao topo e correu as escadas de sua casa ao encontro dele. Parado do lado de dentro, ouvia do lado de fora, uma musica que brotava de sua boca falando sobre “o escuro do mundo”. Com dois giros metálicos rompia a barreira de madeira para que pudessem se encontrar. Um olhar sincero seguido de um abraço mal dado, escondido, não de si mesmos, mas dos grandes olhos inquisidores que julgavam a todo instante, mas eles não ligavam mais pra isso. Trocaram algumas palavras, significados. Silenciaram um pouco, logo após, ela baixou os olhos enquanto ele justificava sentidos compreensíveis e tristes. Ela entendeu sem concordar e se despediram pra se encontrarem em outra hora. A menina estava decidida a fazer algo importante, e o menino simplesmente passou por lá, no seu próprio tempo. A vida negocia seus oportunos em ocasiões aleatórias, algumas pessoas chamam isso de destino. O menino trouxe a notícia que ela precisava para dar mais um passo em suas próprias convicções. Do outro lado da cidade um homem magro e alto fazia contas na sua maquina de calcular. Coçou a cabeça preocupado, mexeu uma ou duas vezes no celular, mas não teve coragem. Ele pressentia o que o esperava. A menina tomava um banho gelado enquanto ele bebia seu café quente, sem açúcar. Ele batia seu cartão de ponto enquanto ela batia na porta conferindo mais uma vez se alguém havia chegado nos 201. Ele chegou, ela viu da janela. Dois giros metálicos na parede de madeira e se encontraram em olhar. Silêncio. Ele abriu a boca e ela pediu pra que ele não dissesse nada que agredisse a qualquer um. Então o homem magro foi em sua direção e a abraçou. Ela disse: A culpa não é sua. O homem olhou com olhos escorridos, desviando seu caminho por através dela respondendo: Nunca é, minha amiga. Subindo os degraus da escada dolorosamente enquanto cantava uma musica que falava algo sobre “me transformar no que te agrada”. Enquanto isso o menino velho dormia em sua cama macia, acompanhado de seres inanimados preenchidos de intenções e afetos racionalmente incompreendidos.

quinta-feira, 4 de março de 2010

DIA DE SOL, CHUVA NO TELHADO




"...todo ser é como Diamante
antes de ser luz, era carvão..."



As trovoadas estavam aos poucos parando, já se podiam ouvir os sons dos pássaros, o canto do vento, amanheceu. E lá estava ela com seus cachos negros brilhando como diamantes, exatamente como ela se sentia agora, um diamante lapidado, já havia completado a maior idade era dona de si, não sofreria mais... Não sofreria mais... Não?
O vento cantava uma melodia intensa naquela manhã de domingo, o sol parecia se envergonhar de algo que pouco depois ela descobriu o que seria... o sol estava com ciúmes dele... O menino dos cabelos de ouro que rodopiava no salão principal da casa de gente estranha logo em cima da dela... A melodia do vento parecia embalar aquele que roubava a cena com seu giro perfeito... Parou. O vento? O rodopio? A melodia? Ela! Parou, e decidiu se encantar pelo sol que girava em torno de si mesmo... Com a desculpa de quem queria saber mais sobre a melodia elevou-se... Ele sábio... Disse que era o próprio som que ela ouvira, não havia vento era só ele e seu violão.
- Gente estranha. Pensou ela.
Não demorou muito lá estava ela... Chovendo... Com trovoadas mais barulhentas que antes, ele era o sol que a fazia chover. Não sofreria mais?
Ironia... Durante o dia o sol, aquele lá do alto, não o da casa de cima, aquecia o coração chuvoso da menina diamante, quando a noite chegava, ela não tinha a companhia do sol... era só noite, ruas vazias e uma janela de onde ela observa lentamente os movimentos do vento, que não tocava nada só escutava a melodia triste da chuva que caia dos olhos dela... Mas não se preocupe menina o sol sempre vem pela manhã.

Diogo Avlis

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O MENINO VELHO

"...chuva, vagueia em minha vida
ao comando do destino
a espera do próximo passo"
Sunny Lóra


Faz frio lá fora. Aqui dentro, faz tempo. Ele não vem mais, eu disse pra não vir e ele é obediente, os meninos são obedientes. Meninos? Ele não é como os meninos. Os meninos são rótulos, ele não. Faz tempo. Ele? Faz tempo.
Era sábado e chovia. Os faróis da avenida principal estavam todos vermelhos. Os meus, verdes. A chuva fina que caía formava desenhos no ar com a ajuda dos olhos dos carros. Certamente algo de especial aconteceria naquela tarde-noite de maio. Calças molhadas, pés descalços, ele subia desesperadamente as escadaria do velho prédio de fazer arte. Esbarrei com ele, o menino velho. Era três de maio e parou de chover. Faz tempo.
Meio atabalhoado fiquei olhando para seu encantador farol. Eram amarelos – eu deveria ter prestado mais “atenção” neste detalhe. E então num repentino movimento toquei seus lábios – não foi um beijo. O menino, ficou parado na escada. Eu, subi e desci as escadas e ele continuo lá. Aquilo me deixou tão absolutamente impressionado que pensei ser possível parar o tempo. O tempo? Faz tempo.
Hoje, o menino não vem mais, eu sei. Ficou lá, na escada. Faz tempo.
Só voltou a chover em dez de maio. Lá na escada, o menino tentou tocar meus lábios – era um beijo. Eu declinei. Subi as escadas. Desci. O menino ainda estava lá. Beijei. Voltou a chover. E não parou mais. Faz tempo.
Em pensar que neguei o primeiro beijo. Hoje não consigo seguir sem dar o ultimo abraço antes de pegar o bonde. Ultimo mesmo será o dia em que olhar pra dentro de mim e não ver mais o rosto marcado pelas expressões cativas de meu primeiro-único amor. Menino velho, volta logo. Faz tempo. Frio. Está parando de chover.
Diogo Avlis

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

.:: Em Breve! ::.

Aguardem! Logo vocÊ terá a obrigação de visitar este espaço todos os dias...

os mais interessantes contos de Avlis e Sot'nas

Agora abrindo o espaço com grande estilo... nós como artistas que somos não poderíamos de deixar de publicar esta "fábula" do nosso grande amigo Santiago César Santiago

Fábula de um ator-mentado*

Certo dia me deparei com um anúncio um tanto quanto desesperador nos classificados de um jornal de quinta:
VENDE-SE UM ATOR-MENTADO, FORMADO EM ARTES TEATRAIS, DANÇA E FLUÊNCIA CÊNICA. EXPERIÊNCIA COMPROVADA EM ESPETÁCULOS. CONTATO PELO CELULAR [tal].
Por trabalhar com arte, tal venda me despertou interesse e resolvi ligar para saber o que levou tal pessoa a uma situação tão extrema.
De uma primeira vez, o número caiu direto numa caixa postal. Imaginei que aquela poderia ser alguma brincadeira de calouro, ou alguém pondo à prova a paciência de algum idiota que pudesse realmente ligar pra tal número.
De uma segunda vez, atende, para minha surpresa, uma mulher dizendo nada ter a ver com o anúncio, porém teve a boa vontade de me passar o novo número do antigo proprietário do celular que agora pertencia a ela.
Liguei então para o novo número, na esperança ainda de matar minha curiosidade de saber quem era esse “artista-produto”, que chegou ao ponto de oferecer seus serviços de forma tão direta em um classificado.
Tive sorte ao primeiro toque atender. Seu nome era Eduardo Eugênio Cândido Siqueira. E toda opulência de seu nome confirmava o que dizia no anúncio. Ele era realmente formado em artes cênicas com habilidades em dança e canto, com vasta experiência em palcos.
Marcamos mais tarde um café numa padaria qualquer de esquina para conversarmos melhor.
Chegando lá, durante toda a conversa em meio a pastas, fotos e recortes de jornal, pude perceber verdade e que ali realmente existia conteúdo. Em sua narrativa, além de me contar suas experiências cênicas, falou um pouco da sua insatisfação e, principalmente, da sua necessidade em tomar atitude extremas como sua venda. “- Preciso defender meu ganha-pão. A forma como eu faço isso, desde que seja digna, não me importa”. DIGNIDADE. O cara tocou num ponto que o qualificou em 100% em nossa aproximada 1 hora de conversa. E não só isso: seus argumentos, a forma de se posicionar e até mesmo um all-star velho no pé mostravam que ali tinha uma pessoa de personalidade batalhando por um ideal.
E dessa conversa toda, pude perceber como a sociedade desqualifica a arte ou ao menos a acha linda, mas não dá seu devido valor. Percebi que a história desse ator-mentado era o reflexo de muitos outros ativistas de arte que não conseguiam espaço, sendo obrigados a radicalizarem e trabalharem por qualquer trocado.
Daí, várias questões me vieram à tona e questionei quem seria o real culpado dessa realidade. De fato, a falta de incentivo às questões culturais ainda é uma realidade. E por mais que se apresentem profissionais qualificados, muito pouco se paga por cultura. Contraditório pra quem entende cultura como premissa fundamental na formação de um cidadão, mas em contraponto, o artista tem parte fundamental dessa culpa por não se posicionar, se valorizar como profissional e mostrar que seu trabalho é importante tanto quanto outros bem remunerados. E olha que no “Texas Brasileiro” o que não falta é gente ganhando muito para se fazer nada.
Por fim, terminamos o café sem muitas novidades. O retrato desse artista, pra mim, foi uma novidade apenas por questão de abordagem, pois nunca tivera visto anúncio de tal espécie no jornal. Mas a sua história se equivale a muitas outras, de pessoas que estão muito próximas e tem a arte como sobrevivência. E que sobrevivência!

* ATOR-MENTADO: título de uma comédia escrita por Rodrigo Rangel e Afonso Celso
Escrito em: 12/08/2008